Filmes brasileiros essenciais das décadas de 2000 e 2010 para entender a arte de atuar
by Gustavo Fontele Dourado
Com o cinema brasileiro em expansão na década de 2000 e novos meios de produção amadurecidos ou em descoberta na década de 2010, o nosso cinema apresentou cada vez mais a busca pela competência na direção de atores ou captar a qualidade, seja em diferentes métodos ou expressões, na direção do elenco e na interpretação das personagens. Esta lista cita marcos dos últimos 16 anos na arte de atuar na cinematografia brasileira.
Estorvo (2000)
Jorge Perugorría transmite paranóia e a superficialidade do meio social artístico como poucos. Herda a erudição de vida que Ruy Guerra tem com o elenco e a profundidade narrativa de Chico Buarque neste filme.
O Auto da Compadecida (2000)
Um filme que faz uma intertextualidade entre três veículos de atuação: cinematográfica, teatral e novelesca. O que une e faz a síntese disso é o ser engraçado, a comédia e o hilário. A qualidade que os diálogos ganharam não deixa a desejar do texto original.
Oriundi (2000)
Uma das últimas interpretações do lendário Anthony Quinn. Caso em que o protagonista se destaca muito mais que o filme e do restante do elenco.
Lavoura Arcaica (2001)
Sua forma onírica de interpretações marcou para sempre o cinema brasileiro, porém é uma escola pouco praticada e difícil de ser seguida.
Bicho de Sete Cabeças (2001)
A entrega é a marca do filme, o esforço de um ator para ir além do que ele poderia fazer normalmente. A cena do eletrochoque é impactante devido ao preparo perspicaz antes de atuar – o que traz a agonia suprema é a espera usada como técnica.
Domésticas (2001)
Com simplicidade nas interpretações, o filme impacta mais do que se tivesse construções cênicas mirabolantes e com pretensões herméticas.
Madame Satã (2002)
Um dos melhores filmes sobre uma pessoa histórica, a potência de Lazaro Ramos foge de vários clichês de filmes biográficos. Sua atuação foge das regras e dos lugares-comuns que muitas vezes um gênero fílmico impõe.
Cidade de Deus (2002)
A preparação de atores e essa forma de trabalhar com um preparador específico ganhou grande propulsão com o sucesso desse filme. Pena que muito do elenco não foi aproveitado em outros projetos. Muitas carreiras começaram e terminaram em Cidade de Deus.
33 (2002)
O tom de busca e pesquisa cômica com toques experimentais permeia 33. Colocar-se em uma obra ou produto com eficácia e convicção é um desafio – a ordem aqui é se auto-interpretar.
Narradores de Javé (2003)
Inspirou muitos filmes com seu toque de intimidade e construção burlesca. Algumas vezes os diálogos usam frases de efeito para transmitir críticas.
Carandiru (2003)
Uma das obras que mais trabalham memória afetiva e história pregressa. O material humano aqui é a prioridade para trabalhar as técnicas de atuação. Será receptivo para quem gosta de Stanislavski e as aplicações competentes de Babenco.
Nina (2004)
Moderniza o gênero de terror no Brasil, os personagens precisam ser sufocados e a apreensão é o que não faltará em suas expressões. Os corpos jogam sempre classificações e julgamentos.
Olga (2004)
A dor e o sofrimento são palavras-chave na interpretação de Camila Morgado. O filme ganha uma forma séria e o que é humano se torna áspero por causa dos objetivos das personagens sempre em conflito.
O Outro Lado da Rua (2004)
Com várias referências a Janela Indiscreta (1954), o elenco mostra domínio da técnica e ainda passa nostalgia e expectativas.
O signo do caos (2005)
Sganzerla nos lembra que há outros mundos de atuação e não apenas Stanislavski que é o mais procurado método no cinema ocidental e industrial. Artaud e Grotowski podem ser muito cinematográficos.
Casa de Areia (2005)
Um dos pontos altos de Fernanda Montenegro e Fernanda Torres – a combinação é imperdível e mostra como pessoas próximas entre si na vida real podem causar impacto nas interpretações.
Serras da Desordem (2006)
Filme que demonstra a possibilidade concreta da atuação ser um exercício etnográfico, ora consciente ora inconsciente.
O Céu de Suely (2006)
A figura central é o que compõe a obra inteira: uma construção de persona clássica nos filmes que funciona muito bem e não esvazia o frescor do filme de Karim.
Jogo de Cena (2007)
A atuação no espaço reflexivo e da palavra contada. A performance no documental e no relato.
Saneamento Básico (2007)
Faz ironias com o preconceito através do deboche e sem cair no pastelão. Um dos melhores filmes metalinguísticos do Brasil. O texto é bem dito e conduz grande parte do humor, o elenco ajuda na construção coletiva com o diretor.
A casa de Alice (2007)
Diálogos muito “naturais” e que não traz belíssimas frases no sentido de ser uma citação para ser anotada em grandes livros. Uma das melhores obras sobre o cotidiano e sem o marasmo de vários outros filmes desse gênero.
Se nada mais der certo (2008)
A obra tem a personagem Marcim que possui uma das melhores transformações de semblante e de interpretação em todo o cinema brasileiro. Belmonte fez assim mais do que o muito bom com a atriz.
Filmefobia (2008)
O tom de reflexão sobre o próprio cinema causa estranheza e os corpos em agonia.
Insolação (2009)
As interpretações são assumidamente mais rígidas, porém isso é executado magnificamente. O texto deve ser dito com beleza e expressa o quanto são travadas essas pessoas que prendem suas expressões por sua falta de flexibilidade.
Os Famosos e os Duendes da Morte (2009)
O tom de mistério e solidão passados por um ator adolescente. As imagens da madrugada nunca estiveram tão atrativas desde Noite Vazia (1964). Sua interpretação capta bem o jeito dos usuários da internet com tédio e com o desejo, muitas vezes não realizado, de se encontrar na vida.
Transeunte (2010)
O ator no ápice da contemplação, a serenidade é uma máscara que encoberta muito do monstro interno do protagonista. O ator ultrapassa também a maioria dos elementos deste filme – ele é o melhor da obra.
Reflexões de um liquidificador (2010)
Herdeiro espiritual do Cheiro do Ralo (2007), suas interpretações carregam muito do humor negro e da ironia.
Corações sujos (2011)
A possibilidade de um diretor brasileiro comandando atores estrangeiros e de uma cultura muito diferente. O ar melancólico e violento do elenco é um primor.
Trabalhar cansa (2011)
Renova a forma de captar apreensão, mistério e enigmas. As relações entre os atores é movida pela praticidade, pelo que vai ser trocado e oferecido.
Heleno (2011)
Talvez a melhor cinebiografia dos últimos anos, mostra novamente a entrega de Santoro com seus papeis. Além de aproveitar a bela fotografia da obra para ressaltar ainda mais as suas expressões.
Hoje (2011)
Exemplo de como um profissional da atuação pode se superar e fazer outro gênero de filme. A atriz principal fez muita comédia e com Hoje, ela encarna um dos dramas mais simbólicos do país.
O Som ao Redor (2012)
As pessoas que aparentemente são ordinárias são na verdade muito complexas e as interpretações trazem muito desse aspecto. Todos tem imaginários ricos.
Educação sentimental (2013)
Bressane praticamente tem um estilo único de executar monólogos no cinema. Mesmo que não agrade muita gente.
Flores Raras (2013)
Nota-se o histórico diferente das duas atrizes principais contracenando, uma aula de co-produção no sentido de atuar.
Para minha amada morta (2014)
Os corpos tensos que parecem que vão liberar grande quantidade de energia violenta. É a interpretação contida, a busca pela concentração de um objetivo apesar da vontade que pode sufocar as ações.
Praia do Futuro (2014)
O efeito catártico desse filme é profundo – o abandono de laços afetivos e o reatar deles. A alteridade da obra é muito relevante.
Branco Sai, Preto Fica (2014)
Fazer uma interpretação de si mesmo para criar uma fábula política muito criativa através das memórias e dos acontecimentos trágicos do passado. O carisma e o tom de deboche como arma política.
Hoje eu quero voltar sozinho (2014)
Filme que trouxe como poucos no seu elenco o retrato da juventude e dos seus afetos com comoção e prender o espectador em desejar o sucesso das suas personagens queridas.
Que Horas Ela Volta? (2015)
Marco recente da atuação brasileira no âmbito internacional, além de trazer uma atriz veterana que muito trabalhou na TV de volta ao cinema com força máxima – Regina Casé. E um belo trabalho de pesquisa de Camila Márdila.
Big Jato (2015)
Matheus praticamente se tornou o Peter Sellers brasileiro com esses papéis multifacetados e contrastantes em Big Jato.
Fome (2015)
Bernardet no seu auge como ator e por desafiar sua história de vida.
O Olmo e a Gaivota (2015)
Superou Elena (2012), que já trazia formas e articulações ricas, para mostrar a voz de uma atriz e o seu papel nos filmes e no social.
Mundo Cão (2016)
Atuações frenéticas que caem muito bem nesta película que propõe um suspense com comédia.
Aquarius (2016)
O talento nato de Sônia Braga acumulado e guardado por não interpretar em um filme por vários anos é enriquece esta obra que promete continuar muito comentada.