Curta Brasília – Post #01

by Não são as imagens

Dentre os trinta concorrentes na mostra competitiva do 3º Curta Brasília é possível notar diferentes temáticas abordadas das mais diversas maneiras. Há, por exemplo, filmes que abordam questões indígenas seja por meio de uma ficção como O homem que matou Deus ou do documentário como Jogos Indígenas, em que temos retratados: tanto um problema social do convívio entre a sociedade urbana e os índios representado por um filme de ação totalmente carregado do humor e do não comprometimento com a realidade, quanto filme documental que busca evidenciar a importância da troca e do fortalecimento da cultura indígena que um evento como os Jogos Indígenas proporciona. Tal qual, há também curtas como A navalha do Avô; Tudo que Movimenta; Coice no Peito e; Todos esses dias em que sou estrangeiro, que abordam temas distintos, mas que, embora diversos, mostram-se melancólicos e aflitivos em tons semelhantes.

A Navalha do Vô

Em A navalha do Avô (São Paulo, 2013), do diretor Pedro Jorge, é contada uma história deveras sutil sobre a relação entre um avô e seu neto. José, o avô – interpretado por Jean-Claude Bernadet – possui uma evolução degenerativa que fatalmente o leva para a morte. O filme conta em pouco mais de vinte minutos, muito por meio de atuações e fotografia duras e silenciosas do que por quaisquer outros artifícios, o desenvolvimento da aproximação e fortalecimento dos sentimentos que englobam uma relação entre avô e neto. Bruno, o neto, que no princípio parece distante, sem tempo e que dá a importância mínima ao contato com seus avós vai gradativamente, de acordo com o ritmo empregado no andamento narrativo, se torando mais próximo de seu avô, que quanto mais doente torna-se distante e excluído do convívio com amigos e com a família. Essa afinidade começa a ser construída a partir do momento em que o barbeiro pede para que Bruno pare de levar o avô até a barbearia, uma vez que sua pele está ficando muito frágil e tênue e por isso tem medo de ferir o amigo; desde esse momento Bruno torna-se o barbeiro de seu avô e acompanha de perto o desenvolvimento da velhice na aparência de seu avô. A navalha, em oposição aos barbeadores modernos utilizados por Bruno, surge como objeto do passado responsável pela união entre as duas gerações e também resta como única lembrança daquela figura simples que era o avô José.

a navalha do vo

A Navalha do Vô

Tudo-que-movimenta

Tudo que Movimenta

Já o documentário da estudante da UnB, Thamara Pereira, filmado em Belisário-MG, Tudo que Movimenta faz um recorte da vida solitária dos moradores da cidade, principalmente idosos, que “restam” do enorme êxodo rural que força as pessoas a saírem para cidades maiores em busca de melhores condições de vida, estudos e etc. Contudo, sem abordar abertamente o problema, o documentário se compromete a mostrar o cotidiano daqueles que ficaram e que não se desprendem de suas raízes rurais. É desse modo que, principalmente por meio dos relatos de um casal de idosos, é contado do o clima de ausência que circunda o cotidiano e a convivência da saudade daqueles que partiram. Sem apelar para um discurso exageradamente emocionados ou até mesmo piegas, a saudade e a ausência representam o ambiente vazio da vida dessa população envelhecida que permanece e segue sua vida no interior e, portanto, figuram como pontos principais dessa nova perspectiva de uma questão social que geralmente é abordada a partir do ponto de vista daqueles que foram. Tudo que Movimenta é um documentário que, assim como a ficção A navalha do Avô, aborda um tema que está de certo modo ligado a velhice, ao envelhecimento e sobretudo ao afastamento familiar que inevitavelmente a população idosa sofre.

Tudo que Movimenta

Tudo que Movimenta

Durante os 25 minutos do curta-metragem Coice no Peito, do paulista Renan Rovida, a tela é preenchida por uma boa fotografia preto e branco que contorna a história de Dito, um condutor de charrete da cidade de Campos do Jordão, que passa por uma tragédia pessoal.

Coice no Peito

Coice no Peito

Interpretado pelo próprio Renan, Dito é um trabalhador autônomo, ralando ao extremo para conseguir o sustento básico. Distante de todos, calado em quase todo tempo, ele tenta de alguma forma externar o que sente. Sua tragédia é tangenciada nos primeiros planos do filme e o desenvolvimento da narrativa se dá justamente através das tentativas mal sucedidas de Dito em expressar a sua dor.

Em quase todo o filme o quadro é um tiro de perto do rosto de Dito, e em segundo plano seus passageiros que por sua vez constituem valor oposto ao da personagem principal. A agonia de Dito frente aos outros. A indiferença expressa por todos: o militar, os homens fantasiados e o turista marcam bem a distância entre indivíduos de classes diferentes e cujo enquadramento reforça.

No entanto, em um único ponto, dois homens estão em pé de igualdade. Aproximados por suas condições de classe, o condutor de charrete e um cozinheiro, são capazes de conversar, de prestar atenção no que é dito. O enquadramento, então, muda: ambos estão lado a lado e tem a mesma altura; a mesma distribuição de pesos dentro do quadro. Apesar disso, ainda assim, o que há de importante na jornada de Dito não é externado. O trabalho lhes consome o tempo e o espírito e, por mais que sejam os únicos iguais nesse determinado recorte, o fim do cigarro transforma os dois em simples objetos.

Coice no Peito

Coice no Peito

O filme segue e se vê que só com o animal, o cavalo que trabalha com Dito, é que há a possibilidade de diálogo. Dito expõe seu drama por completo somente para ele no único momento em que tem de descanso que também é o único momento em que está só.

Coice no peito vai além de contar o drama de um trabalhador. É um filme que mostra – até mesmo com o plano da “carteira de microempreendedor individual” – os abismos entre classes sociais e, sobretudo, o isolamento cada vez mais presente entre indivíduos que compartilham as mesmas condições.

Texto escrito por: Daniel Lukan e Thiago Campelo