A Grande Aposta (2015)

por Victor Cruzeiro

A Grande Aposta é o Melhor Filme do Oscar 2016. Sem dúvida.

Pronto, agora que eu consegui a sua atenção, vamos prosseguir. A Grande Aposta é um filme necessário, cuja necessidade é vinculada às virtudes pérfidas de Hollywood que transformam tudo em entretenimento.

Lidar com a nossa crise financeira mais recente é algo delicado, é doloroso e não é facilmente expresso no modo blockbuster. E não estamos falando da crise financeira de faz de conta que leva muitos governos a lamuriarem-se que “não temos dinheiro”. Estamos falando do estouro da bolha imobiliária de 2007, o colapso do mercado financeiro mundial, a partir de um ataque cardíaco fulminante no seu coração: Wall Street. Estamos falando de 8 milhões de desempregados, 6 milhões de sem teto, só nos Estados Unidos, enquanto pelo mundo nações iam à bancarrota para resgatar seus bancos e outras – tente Alemanha e Inglaterra – tinham suas projeções de PIB reduzidas em mais de 10%.

Parece chato, não é? Mas, acima de tudo, parece bastante assustador. E isso foi causado por um monte de caras que nós não sabemos o que fazem e, muito menos, quem são.

A Grande Aposta é uma denúncia desses poucos rostos e seus métodos, que foram corajosamente devidamente expostos pelo jornalista Michael Lewis, ex-funcionário do Salomon Brothers, um defunto banco onde também trabalhou o Lewis Ranieri, o ainda vivo criador de um dos grandes esquemas fraudulentos do capitalismo moderno: os títulos de hipoteca.

A história é muito complicada e cheia de termos complicados – um trunfo de toda arte que quer parecer inescrutável – mas que A Grande Aposta contorna dirigindo-se diretamente ao espectador e dizendo: “ok, nós sabemos que você não é tão burro assim, mas não custa explicar de uma maneira mais fácil”. A sex symbol Margot Robbie, o chef estadunidense Anthony Bourdain e a teen popstar Selena Gomez aparecem em momentos distintos para explicar o que está rolando naquele papo sobre subprimes, CDS, CDOs sintéticas.

Além disso, o filme – cuja história se desenrola em torno de quatro outsiders que previram o estouro da bolha com antecedência, e apostaram nela – é permeado de imagens fora do contexto do filme, mas dentro do contexto dos EUA. Os Irmãos Cara-de-Pau (John Landis, 1980) e Britney Spears, circa 2002, são alguns dos marcos da passagem de tempo pop fora das paredes de Wall Street.

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Margot Robbie foi Naomi, a esposa de Leonardo DiCaprio, em O Lobo de Wall Street (2013). Coincidência? Eu acho que não…

É como um encontro de Michael Moore e Terrence Malick, onde um zelo com a metafísica das imagens se une a um afã investigativo e sarcástico, altamente preocupado com o caminho de barbárie que esse nosso mundo segue. São fotos de iPhones, desabrigados e orgulhosos anônimos em frente a suas casas, que se amontoam, entre flashes que separam os atos do filme.

Quanto às personagens, temos quatro pessoas diferentes, que pouco ou nada sabem um do outro – afinal não é uma festa, é Wall Street! – cujas histórias e características se dissolvem em meio ao caos iminente. O que resta são seus traços mais proeminentes. O desbocado e amargo Mark Baum (Steve Carell) que parece querer lutar contra o sistema que o alçou até ali. O ambicioso narrador Jarred Vennett (Ryan Gosling), que só quer dinheiro. O desajeitado social Michael Burry (Christian Bale, com o único personagem que manteve o nome original), que só quer dinheiro. E o muito, bastante excêntrico ex-especulador Ben Hickert, um sombrio Brad Pitt que está curiosamente parecido com Michael Moore.

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Os bancos são personagens mais fortes do que os vividos por Carell e seus amigos. As instituições, Goldman Sachs, Bank of America, Deutsche Bank, ostentam todo o seu glamour e imponência. E, no fundo, o filme é sobre eles…

Mas eles não são importantes. Suas histórias passam pela linha de eventos que leva ao crash de 2007 como passam as fotos e vídeos entre os três momentos do filme. Eles não são o foco. São parte dele. Causa estranheza, portanto, a tentativa de adentrar na mente de Burry, talvez para dar um peso de protagonista a Christian Bale ou, ao menos, para criar uma identificação com seus fantasmas – ele tem um olho de vidro e se autodiagnosticou com Síndrome de Asperger.

Isso não funciona. Não há herois no filme. Desde o começo, os quatro personagens principais têm como objetivo lucrar apostando contra a economia americana, o que Hickert muito didaticamente lembra que é errado: “A cada 1% de desemprego, 40 mil pessoas morrem, vocês sabiam disso?”.

Não, eles não sabiam. E nem nós.

Adam McKay estreia seu primeiro drama depois de comédias como O Âncora (2004) e Os Outros Caras (2010), onde há sempre uma mordaz crítica sobre alguma ponta solta da sociedade estadunidense – e, portanto, do Ocidente. Essa sua grande aposta da vez, onde ele fez um filme considerado “esquerdista” por algumas críticas, é uma tentativa de expor ao público o que silenciosamente acontece atrás dos guichês dos bancos, desde que existem bancos. “Se as pessoas realmente voltarem a ficar bravas com isso, eu fico muito feliz!”, confessou o diretor à revista online Vulture.

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Adam Mckay e Steve Carell, com essa belísisma peruca. Uma boa tentativa de explicar o jargão do caos e tornar a desgraça, no mínimo, engraçada.

Mas é claro que, acima de tudo, as pessoas terão entretenimento. Torcerão para que Ryan Gosling consiga se dar bem, porque ele é bonitão e desenvolto. E comentarão como Brad Pitt está irreconhecível e engraçado com aquele cabelo e aquela barba. E talvez alguns se lembrem como tiveram um momento difícil com suas hipotecas em 2008. Ou nem isso.

A Grande Aposta é, sem dúvida, o Melhor Filme do Oscar 2016. E o fato dele estar no Oscar 2016 é seu calcanhar de Aquiles. A Academia o mantém lá, ironicamente, como um lembrete de que a história recente é digna de ser lembrada em um filme, e isso é tudo. Como um globo de neve que você traz de uma viagem inesquecível e deixa empoeirar na sua estante. Não levará o prêmio, muito provavelmente, pois não é tão impactante quanto Leo DiCaprio lutando contra um urso.

Seu entretenimento inevitável, seus grandes atores, sua narrativa cativante, deixam seu segundo plano… bom, em segundo plano. A revolta contra o sistema é amortizada pelos gritos de Steve Carell ou pelas constantes quebras da quarta parede – que são bem-intencionadas, mas são cinema demais em um momento em que se exige realidade.

Ainda assim, A Grande Aposta não deixa de ser uma necessária reflexão para o mainstream. “Não sei se podemos contar com isso”, observa McKay. É, Adam, nem nós. Infelizmente, nenhum de nós pode.

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O letreiro final do filme, com uma legenda auto explicativa em Caps Lock, como todo bom clamor. O filme mescla o documental, o experimental e a comédia para gerar consciência. Vejamos se ficará mais do que as lembranças de 2007.