23 30 – Una historia cautiva (2015) – IV BIFF

por Thiago Campelo

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O que se sabe e se entende pelos processos de imigração, grosso modo, é o que os grandes conglomerados de comunicação propagam. Via de regra, repete-se exaustivamente as inadequações dos estrangeiros ao modo de vida do país em destaque e os conflitos gerados por isso ou o aumento do desemprego e criminalidade causados pelo “altruísmo” desses países. Salvo os momentos onde é impossível a negação dos fracassos da humanidade, os grupos situados à margem do núcleo de nossa sociedade parecem estar condenados a um nível inferior numa suposta gradação da condição humana. A história do imigrante, sobretudo o sem documento, quase sempre fruto de um processo abusivo de colonização empregado pelos países que agora o recebem, é contada ainda por quem lhe abomina e não lhe rechaça oficialmente por comodismo.

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A Espanha é uma das maiores portas de entrada da Europa para imigrantes e a alcunha de “cão de guarda” do continente não é de agora. A política de combate à imigração ilegal adotado pelo país em confluência com todo o continente é repleta de falhas e sua execução é tomada por excessos que, volta e meia, tomam grandes proporções e dão as caras pelos noticiários. Reflexo do acordo de Schengen, de 1995, no qual se definiu como se desenvolveria a política migratória de toda a Europa, foram criados Centros de Internamento de Estrangeiros (CIE na sigla espanhola) que fazem a vez de cárcere para imigrantes ilegais em processo de deportação. Oito destes centros encontram-se em território espanhol, e são constantemente alvo de denúncias de maus tratos e violação dos direitos humanos dos internos.

Una historia cautiva (2015), documentário de 70 minutos do espanhol David Marrades assume a tentativa de contar a mesma história no sentido reverso. Partindo dos relatos de três imigrantes ilegais em território espanhol, Murtada Seck, Samuel e Peggy Abiemwense, sobre sua estadia nos CIE. O documentário vai tecendo um panorama da violência e do racismo adotados pelo Estado espanhol no trato com os estrangeiros em seu território.

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Ao longo da narração de suas incursões nos CIE, no caso de Murtada e Samuel, e das indagações de Peggy, o documentário vai se construindo através de uma série de depoimentos de advogados, policiais, ativistas dos direitos humanos e pessoas ligadas diretamente à administração dos Centros. Apesar dessa estrutura, por vezes, servir como legitimadora de uma dualidade do conhecimento onde é necessária a presença de um especialista para confirmar e outorgar o discurso do “objeto” estudado, não é o que ocorre no filme. Tirando figuras como o chefe de polícia que serve como contrapeso necessário no documentário, as falas dos espanhóis que assumem os papéis de peritos do tema são mais relatos de histórias semelhantes e de suas experiências a partir do seu envolvimento com os processos de imigração. De fato, são Peggy, Murtada e Samuel que detém a condução da parte mais interessante do filme e, através de suas histórias de vida é possível desenhar de fato um panorama do racismo e da xenofobia espanhola manifesta nas batidas policiais exclusivas para imigrantes.

No entanto, o documentário peca por se afastar deles, sobretudo de Peggy, por tempo demais – apesar dos curtos 70 minutos. Acontece que, em alguns momentos os CIEs – por mais que sejam eles a principal forma de “punição” ao imigrante – tomam destaque demais. Outro quesito é a trilha sonora quase sempre presente que tende a um condicionamento muito melodramático do filme, ressaltando até demais o drama da imigração.

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Una historia cautiva é um filme que tangencia bem algumas das condições sob as quais são submetidos a maioria dos imigrantes em território europeu e não só espanhol. Seu maior mérito é contar com os relatos de quem sofreu na pele e por causa dela demonstrações de violência. Porém, é importante ressaltar que, acima de tudo, é um filme que levanta uma série de questionamentos sobre um ponto tão complexo e urgente como esse.