Trabalhar cansa (2011)

por Gustavo Fontele Dourado

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O primeiro plano do filme de Juliana Rojas e Marco Dutra é inaugurado como a possibilidade de uma loja e de um empreendimento – um fade in com piscadelas provocado por uma lâmpada branca antiga sobre um mundo abandonado. São flashes do mau contato de uma luz fraca que dão o pontapé inicial da vontade da personagem Helena, interpretada por Helena Albergaria, em criar um minimercado.

Trabalhar cansa não teve tanto repercussão quanto aos outros filmes que estão com um frescor de linguagem e também que retratam novos panoramas sociais do Brasil contemporâneo como o muito comentado Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho.

Foi exibido no prestigiado Festival de Cannes na mostra Un Certain Regard, esta obra singular que une problemas microeconômicos como a administração de um empreendimento, de funcionários e a temática do mercado de trabalho com nuances de terror e de obscuridade – torna este um dos filmes mais inventivos dos últimos anos.

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E não é de se espantar que a diretora Juliana Rojas ainda tem muito a mostrar e continua cativando os espectadores como Sinfonia da necrópole (2014). Trabalhar cansa é tão bom quanto Som ao Redor (2012) e provavelmente o supera. Nada mal fazer uma obra que mostre as dificuldades do ofício de empreendedor haja vista os novos marcos de contexto no Brasil como a facilidade maior de ser um MEI ou mesmo o desafio de manter o negócio vivo e não ser integrado às cinzas da economia.

Acompanhamos durante dois terços do filme a dificuldade que é gerenciar um negócio e suas implicações administrativas, sociais e econômicas. Tudo começa com boa-vontade e auto-estima e o acúmulo de fatores que dão errado diminuem o ânimo das personagens ou traz um impulso em fazer as coisas melhor ou com excelência. O marido de Helena, interpretado por Marat Descartes, perde o emprego, os funcionários do minimercado não tem experiência e um passado incompreensível que faz parte do local que Helena conseguiu traz problemas de outra ordem e que contribuem para as dificuldades da empreendedora.

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As relações entre as personagens são em grande parte algo: entre o que precisam e o que eles tem a oferecer – são todos clientes e vendedores. Helena precisa oferecer um bom serviço, o seu marido consegue um emprego por comissão para oferecer mais promessas e a empregada que Helena contrata sempre precisa se adaptar e atender às exigências da casa. Essas trocas de satisfação são muito bem expressadas como na cena que o marido de Helena é descrito nas suas melhores qualidades profissionais e ele faz a sua réplica – “também consigo te agradar e trazer boas expectativas por breves momentos”. E tudo isso sem se tornar um filme engessado sobre trabalho ou prolixo, o contato humano e a ironia estão muito presentes como na cena do balão e o casamento de Helena e Otávio.

A ordem é agradar, ser competente e isso que torna a sobrevivência possível nesse mundo. Até que satisfazer os outros não é suficiente e o conflito com o caos, com o aleatório e com o passado de empreendimentos falidos trazem mais dilemas para a sobrevivência. Exemplos são: a queda de energia no natal na casa de Helena, o nariz sangrar e as sujeiras que aparecem no minimercado.

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Helena sobrevive no presente como pode e entra em contato com um monstro do passado, simbolicamente falando, o monstro representado pela falência e por algo que não deu certo. Tudo isso é mostrado através das cinzas desse empreendimento, uma massa obscura em decomposição que invade as iniciativas do presente. Com um primeiro olhar, parece que essas coisas que ela encontra foram rituais macabros praticados no local que hoje é o minimercado.

Esses prenúncios compõem o terror da obra que passa muito bem apreensão e mistério – uma das obras que usa o terror com mais originalidade e uma combinação nada mais que em conjuntada: a economia com o medo. Helena encontra as iniciativas, os sonhos, as conquistas e a gestão morta e camuflada pelas paredes, pela incomunicabilidade dos códigos (um cachorro que late) e pelo não-vivo (os cadáveres).

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O que resta é esquecer e queimar essas cinzas dos empreendimentos que não deram certo ou que já se foi o tempo deles, eliminar esses problemas obscuros para continuar com a sobrevivência do mercado – liberar sua força oculta ou ser enterrado como cadáver amorfo e ser descoberto sabe-se quando e para ser enterrado em definitivo.

Afinal, mesmo em pequenas histórias, as personagens querem usar melhor os recursos econômicos para não serem deixados no limbo dos livros de história e das pequenas histórias – mesmo que não tenham megalomania ou pretensões épicas.

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