Amy (2015)

por Não são as imagens

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Um talento desfalecido.

Uma adolescente tenta imitar Marilyn Monroe ao cantar “Happy Birthday to you” para uma amiga em uma festa de aniversário.  Amy Winehouse já na primeira cena do documentário Amy, dirigido por Asif Kapadia, mostra a que veio ao mundo, pena que sua passagem foi tão curta. O mote principal do filme é  a decadência de uma diva do jazz em ascensão, a frase que parece ser bem contraditória, na verdade reflete exatamente o que o filme traduz nas muitas imagens de arquivo pesquisadas pela produção.

O documentário segue em ordem cronológica, como é o costume de Kapadia – mesmo diretor do filme Senna. Começamos a descobrir Amy através da imagem de uma jovem londrina comum, com sonhos e aspirações correspondente à sua idade. A bulimia e a separação dos pais aparecem como situações problemáticas que só irão ser desenvolvidas ao final do filme.  Não sabemos ao certo o que leva a decadência de Amy, Kapadia explora, de forma inteligente, mas um tanto tendenciosa, os principais culpados pela morte de Amy – colocando-a em uma posição de uma jovem que “só queria ser amada”.

Ao descobrir o talento musical, ainda adolescente, Amy jamais acreditou que se tornaria uma cantora famosa, e completou: “Eu não quero ser famosa. Tenho certeza de que não aguentaria a pressão”, prevendo o futuro. A partir deste ponto a seguimos durante a sua primeira turnê, filmada pelo amigo e empresário na época Nick Shymansky, voz que aparece durante todo o longa. Vemos Amy cada vez mais certa da sua carreira e com um talento que só cresce. Todas as imagens são de bastidores e vídeos caseiros feitos por amigos. Em off, depoimentos dos colegas de trabalho, do empresário e da melhor amiga Juliette Ashby. A montagem surpreendente conecta imagens, falas e clipes de internet de forma tão inteligível que a naturalidade com o que o discurso se constrói é absurda. A pesquisa de arquivo e a montagem são a alma do documentário.

A construção da personagem “Amy” é negação da imagem da cantora que vimos estabelecida pela mídia quando ainda viva. No filme, Amy aparece como uma menina doce, necessitada de cuidado e afeto. Alguém que  repete incessantemente “sou uma fodida da cabeça”, alguém que estava pedindo socorro, desde sempre. A música aparece como forma de terapia. Em trechos do documentário, as letras surgem como recurso gráfico ao lado da cantora e dos seus cadernos rabiscados e escritos com poemas e canções que contam nada mais do que sua vida. A música lhe servia como válvula de escape para as loucuras do mundo.

Neste longa, percebemos duas fases da vida da cantora. O antes e o depois de seu relacionamento com Blake Fielder-Civil. O próprio Blake admite que introduziu Amy nas drogas mais pensadas. A cantora, que já sofria de sintomas típicos de depressão como a bulimia e alcoolismo, acaba se afundando ainda mais no crack e na cocaína. É no entanto, neste ponto, que a fama de Amy começa a crescer de fato. Afinal, o que seria mais interessante para os tabloides do que uma cantora drogada em ascensão? O número de shows triplica e suas músicas viram hits mundiais. Blake claramente se aproveita da fama da esposa para fazer o que quer. Enquanto Amy não consegue lidar com a fama e a música não se torna suficiente para acalmá-la. Nesta altura da narrativa, vemos outra Amy, esta que já conhecemos dos jornais. Aqui Kapadia coloca o contraponto: talvez Amy não soubesse lidar com a personagem que a mídia criou para ela. A cantora se apropria da percepção alheia sobre si.

Neste cenário de “aproveitadores”, vemos ainda Mitch, pai de Amy. Mitch tenta tirar vantagem da imagem da filha levando consigo sempre uma equipe de filmagem para registrar cada momento da vida da cantora, em troca de dinheiro? Amy chega a responder, em uma viagem que os dois fazem juntos com o intuito de se desintoxicar: “Pai, o que você quer é dinheiro? Eu te dou!”. Vemos uma Amy sensível e carente, com pouca noção de amor-próprio e uma capacidade autodestrutiva enorme. A mãe de Amy pouco aparece, deixo aqui esta pergunta: ela teria sido ausente durante toda a sua vida?

Após o fim do relacionamento com Blake a vida de Amy só piora. Mais drogas, mais álcool e menos amor. Amor que era o principal de suas músicas. Ficamos nos sentindo vulneráveis assim como cantora. Amy tinha noção dos anjos e dos demônios que a habitava, só não tinha noção dos demônios que estavam de fora dela. Em  Amy temos a metáfora existencialista expressa em uma única personagem: os conflitos, as dores e a impossibilidade de lidar com eles a não ser por meio da arte ou por meio das drogas, o escape da realidade. Quando ganha o Grammy, ela diz a amiga: “Juliette, isto é tão sem graça sem as drogas”.

Em uma leitura superficial Amy foi condicionada a sua morte por questões externas, por falta de condução adequada por parte do ex-marido ou do pai. Mas ao ver, cuidadosamente, as imagens da cantora e seus discursos, percebemos que, na verdade, era uma questão mais interna do que externa. Amy não soube lidar com seus outros “eus”, Amy era mais que uma, mas todas elas queriam atenção e, principalmente, amor.

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Bárbara Cabral – 24 anos –  recém-formada em Audiovisual pela Universidade de Brasília, flerta com o bom jornalismo. Atualmente é mestranda de Audiovisual pela UnB. Faz bico em produção cinematográfica e adora escrever. Autora do pouconormal.blogspot.com, onde publica micro-contos, poesia, crônicas e o que mais der na telha. Convidada pela equipe do Não São as Imagens.