Não são as Imagens

…que fazem o filme, mas a alma das imagens.

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Carol (2015)

by Não são as imagens

cate e rooney

Cate e Rooney.

A importância de Carol (2015), de Todd Haynes, dentro da indústria cinematográfica contemporânea, faz-me suscitar algumas localizações antes de dar início, de fato, às reflexões sobre o filme. O peso político desta obra é proporcional à naturalidade com que suscita questões ideológicas e políticas mais expressivas, como: posição subalterna das mulheres na sociedade, o amor lésbico das protagonistas, as diferenças etárias e de classe social das personagens principais, o pós-II Guerra Mundial na Nova Iorque dos anos 1940/50 e o peso do conservadorismo e moralismo nas famílias de classe média alta estadunidenses envoltas no contexto da Guerra Fria. De início, cabe pontuar ainda que o diretor não quis fazer apenas um “filme gay” e essa forma de lidar com a obra parece ter feito jus à sua recepção, tendo em vista que o filme tem sido caudatário de um processo de naturalização das relações homoafetivas no cinema: O Segredo de Brokeback Mountain (2005) ou mesmo Azul é cor mais quente (2013), mais recentemente, tiveram mais expressão pelo apelo à temática gay, do que propriamente à relação amorosa de seus/suas protagonistas.

A história, de maneira geral, está centrada em Carol Aird (Cate Blanchett), uma mulher rica, que está em processo de separação do marido, tem uma filha e que se apaixona por Therese Belivet (Rooney Mara), uma jovem vendedora e aspirante à fotógrafa. A trama foca na relação amorosa entre estas duas mulheres e nas dificuldades inerentes a uma relação lésbica, em 1940, ambientada na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos. A título de curiosidade, cabe dizer que grande parte das filmagens aconteceram na cidade de Cincinnati, Ohio (EUA), tendo em vista que os ares e a ambientação da cidade se tornaram um ótimo pano de fundo para emular a Nova Iorque nos anos 1940; ou ainda, como disse Ed Lachman, diretor de fotografia, a cidade de Cincinnati foi uma verdadeira máquina do tempo de baixo custo.

Na trama, Carol e Therese pertencem a mundos sociais completamente diferentes que, no início da história, desenvolvem-se separadamente até o momento em que, à medida que o universo das duas protagonistas se aproximam e se entrecruzam, as tensões desta descoberta amorosa suscitam vários conflitos, ao passo que a sororidade entre as personagens do filme ganha destaque e também se torna um fator de peso para o desenrolar da narrativa.

rooney 2

Assim, cabe destacar a importância do papel de Sarah Paulson [1] como Abby Gerhard, uma amiga de longa data com quem Carol também já se relacionou e que se torna uma figura importante para a sustentação da relação amorosa entre as protagonistas – como quando Carol se vê obrigada a romper com Therese, tendo em vista as chantagens de seu marido e tomada da guarda judicial de sua filha, em que Abby se torna uma figura fundamental para auxiliar neste processo de rompimento e posterior retomada entre as personagens.

Cabe pontuar também a resistência e solidariedade que essas três personagens – Carol, Therese e Abby – representam na trama, frente às opressões das mulheres na época, que converge em um momento importante de luta das mulheres por igualdade no âmbito da indústria cinematográfica em Hollywood atualmente, visto as indicações de Blanchett e Mara a diversos prêmios, incluindo os Óscares de Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente.

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Um outro aspecto que merece destaque é a paisagem sonora do filme, em especial, a trilha sonora composta por Carter Burwell, também indicada ao Oscar. As melodias minimalistas compostas por Burwell para a trama ganham ainda mais expressão dentro de uma atmosfera muito delicada onde os sons mais sutis são percebidos e priorizados no filme. Como marcou bem Haynes, os pequenos eventos têm maior impacto, tanto que a arma não dispara na cena em que Carol ameaça o detetive que as perseguia a mando de seu marido ou, ainda, na discussão de Carol com o seu marido, que acaba sendo abafada em partes pelo som de Peg Of My Heart, de Miff Mole, um famoso trombonista de jazz da época, que Therese havia colocado para tocar. As canções escolhidas para o filme auxiliaram também na pesquisa para o trabalho de Burwell, como também guiou o processo de montagem do filme, que foi realizada pelo brasileiro Affonso Gonçalves, junto a Haynes.

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Detetive de costas.

Carol (2015) ainda foi indicado ao Oscar de Melhor Fotografia pelo trabalho de Ed Lachman. A fotografia no filme realmente merece um destaque especial. Diferentemente da outra parceria de Ed Lachman com Todd Haynes, em Não estou lá (2007), em que a fotografia do filme foi realizada com filme Super 8, 16mm a cor, 35mm a cor e preto e branco, na tentativa de referenciar diversos filmes da época; em Carol (2015), a fotografia é menos diversa em formatos de captação. Aqui, a escolha foi filmar em 16mm, na tentativa de preservar a granulação e certas imperfeições que dão vida ao filme, ganhando um caráter mais documental, mas sem câmera na mão, ao tentar emular também o colorido de fotografias naturalistas da época, nos Estados Unidos. Tanto que há até uma referência metalinguística com a personagem de Therese, que é fotógrafa e que, no desenrolar da narrativa, é capaz de tornar mais lastreável o percurso fotográfico de sua personagem que, inicialmente, interessa-se em fotografar a cidade, pássaros e formas abstratas e, à medida que sua relação com Carol vai se construindo, passa a se expressar por meio de uma fotografia mais pessoalizada, com formas mais humanas. Carol se torna o principal objeto desses retratos. Segundo Lachman, o percurso fotográfico de Therese foi inspirado em Vivan Maier. [2]

rooney

A fotografia do filme também desvela um universo particular de cada uma das personagens principais, quando tenta desenhar a imagem do que se passa emocional e psicologicamente com Carol e Therese e, também, de como a tensão inicial da descoberta desse amor vai cedendo lugar a uma cumplicidade afetiva autônoma entre as protagonistas. É inerente, à própria linguagem cinematográfica, a dificuldade em desenhar com a fotografia do filme a imagem dos aspectos psicológicos das protagonistas, que está tensionada ainda em meio à relação delas, que floresce e se complexifica ao longo da obra. Talvez esse seja um dos aspectos mais belos da fotografia de Lachman, que utiliza diversos recursos sabiamente para compor tais imagens de caráter psicológico de Carol e Therese.

Há diversas cenas em que as protagonistas são vistas através de vidros, como os planos que revelam os interiores de carros, restaurantes e lojas; cenas que parecem instalações visuais permanentes dos afetos ali trazidos pelas protagonistas.  Há, também os olhares que atravessam janelas, frestas e fendas de portas onde a luz modeladora da imagem parece construir um ambiente de extremo conforto para as personagens, ao ponto de desvelar suas tensões e descobertas afetivas.

carol e therese

Carol e Therese.

Carol (2015) não foi indicado à categoria de Melhor Filme no Oscar, apesar de ter sido indicado a seis outras categorias, além das quatro citadas acima. O filme ainda concorre como Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Figurino. Com sua segunda indicação ao Oscar, talvez esse seja o momento de Ed Lachman levar a estatueta de melhor Fotografia, pois sua capacidade de trazer e transferir aos tempos atuais, tão fidedignamente, os anos 1940/50, ressalta não somente sua competência técnica, como também, sua capacidade de contar uma história atrelada à educação visual de toda uma época. Para mim, para além de uma homenagem ou de uma escolha estética coerente com a história de Carol (2015), a fotografia do filme consegue emular a posição civilizacional expressa pela arte fotográfica/cinematográfica daqueles tempos e emancipa fronteiras geracionais ao ressaltar sua importância educacional nos afetos ainda hoje.

Notas:

[1] Sarah Paulson é uma atriz assumidamente bissexual, detalhe interessante tendo em vista a importância política deste fato no contexto do filme.

[2] Inspiração que que pode ser melhor compreendida através do documentário Finding Vivian Maier (2013), John Maloof e Charlie Siskel.

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Artur Guimarães, 24 anos, cursou Sociologia na Universidade de Brasília e atualmente é aluno de mestrado do mesmo curso. Também faz parte da equipe da revista Graduados, da UnB – Núcleo de Ciências Sociais. Convidado pela equipe do Não São as Imagens.

Divertida Mente (2015)

by Gustavo Fontele Dourado

Divertida mente 7 - não são as imagens

Cinco personagens – Joy (Alegria), Sadness (Tristeza), Anger (Raiva), Disgust (Nojinho) e Fear (Medo) formam emoções básicas da menina Riley, que se muda de Minnesota para San Francisco e devido a isso sua vida muito feliz começa a ter muitas instabilidades e problemas. As cinco personagens estão dentro de sua mente e tentarão escolher ou trazer as melhores opções para a sua vida.

Inside Out, que pode ser traduzido como “do avesso”, é o melhor filme da Pixar desde Toy Story 3 (2010). Pete Docter dirigiu Inside Out junto com Ronnie Del Carmen. E já se vão 5 anos do fim da considerada era de ouro da Pixar que foi no fim dos anos 90 e durante os anos 2000 por inteiro.

A empresa já tem em produção continuações de suas franquias de sucesso que serão lançadas nos próximos 9 anos! Alguns nomes são Os Incríveis 2 (2019), o desnecessário Toy Story 4 (2018), Carros 3 (2017) e Procurando Dory (2016).

Inside out ou Divertida Mente vai na inauguração de uma nova história e vai na contramão das atuais tendências da Pixar com diversas continuações. É também um filme que se fecha muito bem nele mesmo e não há uma urgência narrativa para criar uma franquia cheias de sequências.

Divertida mente 3 - não são as imagens

As ilhas de personalidade-base de Riley ao fundo, formada por memórias-base. Também passamos pelo inconsciente, mundo da imaginação, túneis e bibliotecas de memórias-base.

Como seria a mente de uma pessoa em seu interior? Com a animação, um universo muito abstrato ganha muitas cores e formas. E apesar de não ser um mundo descrito com muitos detalhes na montagem do filme, as possibilidades de diversão são muitas e por uma boa escolha da direção, o mundo não é esgotado na 1 hora e 30 minutos. Este filme mostra o que o cinema pode fazer de melhor, mostrar aquilo que não é visto.

O filme já começa com uma linda cena do nascimento de Riley, que também é o nascimento de Joy, uma das protagonistas. É o nascimento da felicidade e, por muito tempo, Joy achou que a vida de Riley deveria ser somente vivida com alegria. Riley às vezes pode ser encarada como uma menina mimada no início, mas depois a empatia por seus dilemas é mais arrebatador.

Divertida Mente nos oferece o impasse de como é ruim a tristeza ser bloqueada na constituição das memórias e nas atitudes de um indivíduo. Joy reprime Sadness muitas vezes de operar as atitudes de Riley ou ter decisões importantes. Isso gera ainda mais vontade em Sadness de participar e, assim, ela começa a tocar nas memórias-base para não reprimir ainda mais a sua vontade. Isso causa diversas aleatoriedades e caos por ser uma expressão de Sadness que confronta o controle que mantém uma estabilidade mental de Riley até então.

Divertida mente 2 - não são as imagens

Uma memória tem uma cor e todas são esferas. Durante grande parte da história Joy não deixa Sadness encostar nas esferas.

Graças a isso há mudanças, apesar de serem encaradas como um fim da vida de Riley pela perspectiva de suas personagens-emoções. Porém, o amadurecimento não é só de Riley, as cinco integrantes de sua mente aprendem coisas novas e que devem trabalhar juntos para as memórias essenciais de Riley não serem descartadas ou novas lembranças passarem por modificações importantes.

A Pixar é ótima para abordar o tema do crescimento sem cair em didatismos ou aspectos pedantes. O estúdio comemora o seu 30º aniversário e o sentimento de crescimento e maturidade é muito transparente na equipe do estúdio e isso é repassado para as suas narrativas.

Uma cena chave é quando Joy, Sadness e Bing Bong (o lado brincalhão ou inventivo da mente) atravessam um túnel e atalho que conecta uma das ilhas-base que formam a personalidade de Riley ao mundo da imaginação. Nesse túnel as personagens quase se tornam formas geométricas simples por causa da atmosfera de pensamento puro do túnel.

Divertida mente 6 - não são as imagens

A cena do pensamento abstrato.

A passagem do 3D para linhas simples é muito cativante e mostra o poder da animação em expressar diversas técnicas e transformações. Esta cena pode resumir muito do que o filme é: a transformação de memórias e emoções em formas que nos prendem e que nos trazem vínculos afetivos.

É a concretização dos sentimentos. O filme emociona e traz uma das melhores combinações da Pixar: momentos divertidos com comoção. O que dizer do esquecimento do adorável Bing Bong, da junção entre tristeza e felicidade na solidificação das memórias e também dos impasses de Fear diante dos sonhos aloprados criados por um estúdio de filmes da mente?

Divertida mente 5 - não são as imagens

O esquecimento de Bing Bong no vácuo das memórias.

Mesmo que no geral a técnica da Pixar não é inovadora para o atual momento, o filme preza pela sua sensibilidade através do simples e do humanismo. Como dizia Akira Kurosawa, os grandes filmes tem a mistura de dois sentimentos importantes – mesmo filmes muito tristes precisam de cenas alegres e vice-versa. Inside Out tem muitos momentos bem-humorados, atmosfera leve e capacidade fácil de emocionar. Um grande filme que bate contra a ideia de que filmes mais pessimistas são mais obra de arte do que obras mais leves.

Apesar de alguns filmes concorrentes na categoria de animação do Oscar possuírem mais inovação em linguagem se comparadas ao da Pixar, Divertida Mente deve levar a estatueta para o estúdio e talvez a de melhor roteiro original. E, claro, a influência da predileção da Academia pela Pixar ao longo dos anos. Também merecia ser indicado à trilha sonora e melhor filme.

Divertida mente 4 - não são as imagens

Os vínculos afetivos de Riley e sua família fortalecidos por Sadness e Joy.