Withnail & I

por Daniel Lukan

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Memórias de um fracassado. Ou melhor, de dois fracassados. Withnail and I (1987), do diretor Bruce Robinson, conta a história de dois amigos: Marwood e Withnail. Marwood é o nome atribuído ao personagem I (eu) do título de filme, ele não se identifica assim em nenhum momento e nem ouve-se alguém falando o seu nome, no entanto, é o nome identificado numa das contas que aparece diante da câmera já no final do filme – além disso é nome que identifica o personagem no roteiro do filme. Nos créditos, o ator Paul McGann é creditado apenas como “…& I”. Dois motivos justificam tal escolha, primeiro pois é o personagem que começa a narrar a história, logo, supõe-se que tudo se trate do discurso do próprio Marwood, segundo porque sabe-se que a história, escrita pelo próprio diretor, resume fatos de cinco anos da vida de Robinson em que ele viveu junto com o ator Vivian Mackerrell.

Tanto Marwood quanto Withnail (Richard E. Grant) são dois jovens atores completamente desempregados, sem grandes perspectivas de arrumar empregos e que gastam grande parte do tempo bebendo ou arrumando uma forma de arrumar bebidas. Vivem numa completa inércia regada a boemia. A única companhia periódica, que faz uma certa conexão entre eles e o mundo fora de seu apartamento, é o vendedor de drogas local Danny (Ralph Brown).

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No filme temos pouco desenvolvimento de seus personagens, digo isso não no sentido de que são mal desenvolvidos, mas que suas trajetórias são praticamente estagnadas – sobretudo Withnail. Vemos muito mais um processo expositivo, no qual, nós espectadores, vamos conhecendo cada vez mais os protagonistas e nos tornando íntimos de suas vidas. De forma geral, I  (Marwood) consegue um emprego, sofre uma mudança de aparência e começa a se abster de álcool e drogas até o momento de sua partida final; no entanto, isso acontece como um deus ex machina, já que não o vemos correr atrás dessa mudança, quando surge a oportunidade (no fim do filme) ele abandona a sua vida boêmia e segue em diante, enquanto Withnail termina um filme com um futuro incerto, não definido, mas que, provavelmente, trata-se de continuar embriagando-se.

Um dos principais temas que circunda a narrativa quase estagnada de Withnail and I é, certamente, a amizade. O filme nos insere diretamente na vida íntima dos dois amigos, da qual pouco sabemos: são dois amigos? dois irmãos? um casal homossexual? Logo se percebe um forte vínculo afetivo. Sobretudo, na forma ostensiva com a qual ambos se tratam diante de uma situação problemática entre si, algo estreitamente comum em relações muito próximas e principalmente naquelas que se mostram desgastadas. Withnail e Marwood são os melhores amigos, vemos ao longo do filme várias cenas engraçadas e outras que mostram um forte companheirismo. Contudo, também vamos percebendo que é uma união sem futuro, enquanto atores, eles não crescem profissionalmente em nada e enquanto pessoas vivem num violento mundo de degradação física de suas saúdes. Portanto, é visível o quanto se divertem, mas mais visível ainda é o quanto, juntos, eles se degradam como pessoas.

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Além do roteiro que apresenta grandes personagens, ótimas piadas e excelentes diálogos. É importante destacar outros fatores convincentes do filme. Tanto a fotografia quanto o trabalho de arte são responsáveis por nos dar acesso à subjetividade dos personagens. A primeira vista do apartamento dos protagonistas nos causa ojeriza pelos dois, a fotografia quase sempre pesada e escura evidencia nos seus poucos focos de luz o desmazelo que é a vida dos personagens e preenche o ebrioso estado mental deles. Além disso, ao longo do filme vamos percebendo como a fotografia se torna um pouco mais ‘leve’ nos raros momentos de sobriedade; entretanto, não muito serena, consegue realçar a sobriedade, mas revela-se forte e dura objetivando uma ressaca.

A história de amizade traz à tona questões em relação à marginalização e à degradação pessoal. Marwood e Withnail demonstram ao longo de situações rotineiras seus talentos de interpretação e representação, criam histórias para chocar ou enganar outras pessoas, algumas delas tão convincentes que enganam a nós mesmos até o momento seguinte em que percebemos que estavam interpretando. Os personagens vão para o campo, uma sugestão de Marwood, para que possam ‘purificar’ seus corpos e tratar suas situações com mais pés nos chão, no entanto, tudo piora… as condições de sobrevivência são piores, não possuem mais aquecedor elétrico, a comida precisa ser caçada ou colhida e além disso não são bem recebidos pelos vizinhos. A tensão dramática se acentua e dessa maneira até mesmo a união dos dois começa a ficar mais frágil. A narrativa com teor autobiográfico do próprio diretor evidencia questões quanto a perca de esperanças de muitos jovens idealistas da virada da década de 60 para 70.

Withnail and I

Um filme que com certeza tem muito outros fatores a serem apontados e analizados, Withnail & I nos impressiona mais ainda quando descobrimos que é um trabalho de “iniciantes”, tanto o diretor Bruce Robinson quanto os dois atores principais estavam debutando no meio cinematográfico no primeiro trabalho de longa-metragem. O diretor consegue construir uma trama extremamente atraente e bem desenvolvida e principalmente Richard E. Grant, como Withnail, esbanja maturidade na atuação do ‘louco’ e complexo personagem que possui muitas transições de personalidade: traços de alcoolismo muito mais acentuados do que o do seu parceiro e a figura que transita entre o retraído e medroso ao louco extrovertido e espalhafatoso. Sem dúvidas, uma das grandes obras do cinema britânico que merece receber mais reconhecimento e visibilidade num âmbito geral da história cinematográfica, pois, em todos seus quesitos (fotografia, roteiro, arte, etc.) apresenta pontos interessantíssimos que circundam a vida autodestruidora de seus protagonistas. Withnail permanece na mesma e Marwood sai para a vida de atuações, mas fica a impressão de que a única evolução que acontece é a separação dos dois. Uma amizade riquíssima, mas estagnada e que não acrescenta nada a ambos. O filme consegue fundir com competência suas temáticas e apresentar com homogeneidade uma obra única.

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