Não são as Imagens

…que fazem o filme, mas a alma das imagens.

Divertida Mente (2015)

by Gustavo Fontele Dourado

Divertida mente 7 - não são as imagens

Cinco personagens – Joy (Alegria), Sadness (Tristeza), Anger (Raiva), Disgust (Nojinho) e Fear (Medo) formam emoções básicas da menina Riley, que se muda de Minnesota para San Francisco e devido a isso sua vida muito feliz começa a ter muitas instabilidades e problemas. As cinco personagens estão dentro de sua mente e tentarão escolher ou trazer as melhores opções para a sua vida.

Inside Out, que pode ser traduzido como “do avesso”, é o melhor filme da Pixar desde Toy Story 3 (2010). Pete Docter dirigiu Inside Out junto com Ronnie Del Carmen. E já se vão 5 anos do fim da considerada era de ouro da Pixar que foi no fim dos anos 90 e durante os anos 2000 por inteiro.

A empresa já tem em produção continuações de suas franquias de sucesso que serão lançadas nos próximos 9 anos! Alguns nomes são Os Incríveis 2 (2019), o desnecessário Toy Story 4 (2018), Carros 3 (2017) e Procurando Dory (2016).

Inside out ou Divertida Mente vai na inauguração de uma nova história e vai na contramão das atuais tendências da Pixar com diversas continuações. É também um filme que se fecha muito bem nele mesmo e não há uma urgência narrativa para criar uma franquia cheias de sequências.

Divertida mente 3 - não são as imagens

As ilhas de personalidade-base de Riley ao fundo, formada por memórias-base. Também passamos pelo inconsciente, mundo da imaginação, túneis e bibliotecas de memórias-base.

Como seria a mente de uma pessoa em seu interior? Com a animação, um universo muito abstrato ganha muitas cores e formas. E apesar de não ser um mundo descrito com muitos detalhes na montagem do filme, as possibilidades de diversão são muitas e por uma boa escolha da direção, o mundo não é esgotado na 1 hora e 30 minutos. Este filme mostra o que o cinema pode fazer de melhor, mostrar aquilo que não é visto.

O filme já começa com uma linda cena do nascimento de Riley, que também é o nascimento de Joy, uma das protagonistas. É o nascimento da felicidade e, por muito tempo, Joy achou que a vida de Riley deveria ser somente vivida com alegria. Riley às vezes pode ser encarada como uma menina mimada no início, mas depois a empatia por seus dilemas é mais arrebatador.

Divertida Mente nos oferece o impasse de como é ruim a tristeza ser bloqueada na constituição das memórias e nas atitudes de um indivíduo. Joy reprime Sadness muitas vezes de operar as atitudes de Riley ou ter decisões importantes. Isso gera ainda mais vontade em Sadness de participar e, assim, ela começa a tocar nas memórias-base para não reprimir ainda mais a sua vontade. Isso causa diversas aleatoriedades e caos por ser uma expressão de Sadness que confronta o controle que mantém uma estabilidade mental de Riley até então.

Divertida mente 2 - não são as imagens

Uma memória tem uma cor e todas são esferas. Durante grande parte da história Joy não deixa Sadness encostar nas esferas.

Graças a isso há mudanças, apesar de serem encaradas como um fim da vida de Riley pela perspectiva de suas personagens-emoções. Porém, o amadurecimento não é só de Riley, as cinco integrantes de sua mente aprendem coisas novas e que devem trabalhar juntos para as memórias essenciais de Riley não serem descartadas ou novas lembranças passarem por modificações importantes.

A Pixar é ótima para abordar o tema do crescimento sem cair em didatismos ou aspectos pedantes. O estúdio comemora o seu 30º aniversário e o sentimento de crescimento e maturidade é muito transparente na equipe do estúdio e isso é repassado para as suas narrativas.

Uma cena chave é quando Joy, Sadness e Bing Bong (o lado brincalhão ou inventivo da mente) atravessam um túnel e atalho que conecta uma das ilhas-base que formam a personalidade de Riley ao mundo da imaginação. Nesse túnel as personagens quase se tornam formas geométricas simples por causa da atmosfera de pensamento puro do túnel.

Divertida mente 6 - não são as imagens

A cena do pensamento abstrato.

A passagem do 3D para linhas simples é muito cativante e mostra o poder da animação em expressar diversas técnicas e transformações. Esta cena pode resumir muito do que o filme é: a transformação de memórias e emoções em formas que nos prendem e que nos trazem vínculos afetivos.

É a concretização dos sentimentos. O filme emociona e traz uma das melhores combinações da Pixar: momentos divertidos com comoção. O que dizer do esquecimento do adorável Bing Bong, da junção entre tristeza e felicidade na solidificação das memórias e também dos impasses de Fear diante dos sonhos aloprados criados por um estúdio de filmes da mente?

Divertida mente 5 - não são as imagens

O esquecimento de Bing Bong no vácuo das memórias.

Mesmo que no geral a técnica da Pixar não é inovadora para o atual momento, o filme preza pela sua sensibilidade através do simples e do humanismo. Como dizia Akira Kurosawa, os grandes filmes tem a mistura de dois sentimentos importantes – mesmo filmes muito tristes precisam de cenas alegres e vice-versa. Inside Out tem muitos momentos bem-humorados, atmosfera leve e capacidade fácil de emocionar. Um grande filme que bate contra a ideia de que filmes mais pessimistas são mais obra de arte do que obras mais leves.

Apesar de alguns filmes concorrentes na categoria de animação do Oscar possuírem mais inovação em linguagem se comparadas ao da Pixar, Divertida Mente deve levar a estatueta para o estúdio e talvez a de melhor roteiro original. E, claro, a influência da predileção da Academia pela Pixar ao longo dos anos. Também merecia ser indicado à trilha sonora e melhor filme.

Divertida mente 4 - não são as imagens

Os vínculos afetivos de Riley e sua família fortalecidos por Sadness e Joy.

Ponte de Espiões (2015)

by Victor Cruzeiro

Querido Steven,

Sei que havia dito que íamos parar de nos corresponder, mas frente a um evento que me ocorreu nesses últimos dias, me senti compelido, quase obrigado, a te escrever de novo. O evento foi assistir seu filme novo, e creio que você vai dar razão a cada linha que vier daqui em diante. E tenho certeza que vai considerar inclusive me responder.

Antes de mais nada, Ponte de Espiões é bom! Não se preocupe, que meu objetivo aqui não é te atacar, como fiz da última vez (e talvez por isso você tenha pedido aquela medida restritiva). Ponte de Espiões é bom, a história é legal e o garoto Tom está show, como sempre. Mas, em tempo, também falam que tomar claras de ovo cruas e ir à escola todos os dias também é bom…

Eu tenho total convicção na sua importância para Hollywood e na sua capacidade inventiva, que foi um dos propulsores até seu atual trono – além de uma boa dose de sorte, é claro. Lá com Encurralado já deu para perceber como você sabia bem o que está fazendo e, mais do que isso, como você propunha um jeito diferente de fazer cinema: um entretenimento mais amplo, mais genuíno, menos engessado e, com sorte, bem mais rentável.

E você nunca se livrou dessa ideia, né? Desde Tubarão você mostrou que conseguia transformar qualquer história em uma boa bilheteria, por mais chato que pudesse parecer. Um peixe assassino, um arqueólogo, um disco voador que toca Midi, um alienígena de borracha, a Segunda Guerra… Qualquer coisa. Tiramos o chapéu para você por isso!

E mais uma vez, com Ponte de Espiões, você transforma a Guerra Fria em uma coisa que podemos ver e nos divertir por duas horas e meia sem ficar realmente apreensivos com a lembrança de que aquilo foi real e que a vida na Terra quase foi extinta por uma hecatombe nuclear. Há um fator humano forte nesse filme, uma compaixão naquela busca pela libertação dos prisioneiros (dos dois lados!), que nos prova que a solução para qualquer conflito está dentro do coração humano…

Claro que, por algum motivo, essa compaixão irrefreável está apenas no personagem do Tom Hanks. Não está no sistema judiciário estadunidense, nem na CIA, muito menos nos russos e nos alemães orientais. Só existe uma pessoa realmente boa nesse filme, o que deve ser explicado pela semelhança fidagal dele com Viktor Navorski, de O Terminal. Deve ser algum valor de família.

Ponte4

“Vamos inserir umas frases de efeito pro menino Tom”, você disse. E os irmãos Coen ainda tiveram a ideia de colocar um monte de piadinhas sarcásticas.

Você acha mesmo que os russos agiam com aquela petulância violenta toda, de torturar seus prisioneiros estrangeiros com privação de sono e jogos psicológicos? Bom, sob o regime stalinista eles tratavam os próprios prisioneiros assim, então, sim… Mas você realmente acha que o governo dos Estados Unidos da América era tão cordial assim com um prisioneiro? Soviético? Espião? Acordando-o no meio da noite com chamados gentis de “Acorde, senhor? Temos um avião para pegar?”.

Além disso, você ainda acha necessário fazer as prisões em solo americano mais iluminadas, limpas e confortáveis do que as em solo estrangeiro? Esse estereótipo da Guerra Fria não devia ter ficado para trás há algum tempo, Stevie? Sabe, você devia fazer um filme sobre Guantanamo… Estou enviando o número do Oliver Stone para vocês conversarem.

Bom, à parte dessa pitada do sonho americano, que você consegue colocar em tudo – até mesmo em Poltergeist, que você nem dirigiu! – Ponte de Espiões tem seus méritos, oriundos do seu olhar aguçado, que te torna um dos diretores mais famosos do mundo e um dos preferidos dos estudantes de audiovisual (não, é mentira, eles só gostam de Godard e Bergman, mas deviam prestar atenção em você também).

Ponte1

“Vou aqui aproveitar que isso é um filme e fazer uma metáfora visual sobre as muitas faces de um espião”. Você é muito maroto, Stevie.

Você fez uns raccords muito interessantes aqui, como eu não via há muito tempo nos seus filmes. Ligar o ritual de um tribunal inteiro se levantar para saudar um juiz que entra, com um bando de criancinhas se levantando para jurar lealdade à bandeira dos Estados Unidos da América foi uma boa jogada. Quase um Eisentein, hein? Explícito e ácido. Uma boa maneira de atingir em cheio o average american que foi ver seu filme em uma sala iMax comendo pipoca e tomando 2 litros de Coca-cola. Nós sabemos que ele não é muito rápido para indiretas. Mas, hoje em dia, francamente: quem é?

Esse é outro ponto que salva Ponte de Espiões de ser um filme totalmente descartável (por favor, não se irrite com isso, é importante ouvir críticas!). É um momento interessante para ensinar as pessoas a lidar com fanatismo. Em muitos lugares, como no mundo, por exemplo, a Guerra Fria ainda não acabou. O ódio borbulhante pelos comunistas negros judeus gays estrangeiros ainda povoa a internet, as ruas, as salas de estar e de cinema. Não é como se seu filme fosse um libelo à tolerância, claro, visto o jeito que você representou os pobres dos soldados inimigos, mas é uma maneira legal de inserir empatia na visão dos dominadores.

Ponte2

Essa fala é tão boa que eu coloquei na minha foto de capa do facebook. Sério! Quando você for me adicionar, vai encontra-la.

Talvez você tivesse ainda mais sorte se fizesse esse filme aqui no Brasil. Não ia precisar nem do contexto da Guerra Fria, o que tornaria o filme ainda mais barato e mais lucrativo (a gente sabe como tem público que odeia filme “de época”, né?). Vou mandar também o telefone do Padilha. Ele fala inglês e gosta de dinheiro. Vocês vão se dar muito bem!

Em suma, Stevie, eu sei que você não é mal-intencionado. Eu sei que você, ao seu modo, tenta tornar o mundo melhor com seus filmes, contanto que sua conta melhore junto. Isso te torna meio tendencioso às vezes… quase sempre. Mas você se esforça. Munique faz pensar bastante na utilidade da vingança, e Lincoln expõe o lado escuso da moeda de um centavo. Nem sempre dá certo, mas você tá aí na atividade, tentando…

Podia ser pior. Você podia ser o Michael Bay.

Sério. Fico feliz que você seja você.

Eu tenho a profunda convicção de que você não é como James Cameron, que acorda todos os dias pensando em como James Cameron pode melhorar o mundo sendo James Cameron. Você é só um dos maiores diretores do mainstream tentando manter sua conta bancária gorda enquanto agrada ao público americano médio e vende o sonho americano para o resto do mundo, e de quebra ensina um pouquinho de história e mostra umas música massa do John Williams.

De resto, o filme é ok.

Espero que você me responda dessa vez!

Seu amigo,

Victor.

P.S. – Por que você trocou o John Williams pelo Thomas Newman? Não teve nenhum tema épico dessa vez! Era de propósito? Você, por acaso, está ficando sério?

P.S. 2 – Não faça Indiana Jones 5.

P.S. 3 – É sério! Não. Faça.